Me desculpe mas não era você. Era outra pessoa quem estava encostada na parede da sala, com aquele olhar nervoso, dizendo aquelas palavras tão duras.
Me desculpe mas aquela pessoa não era você. Era outra pessoa quem estava com as mãos dentro dos bolsos da bermuda, como se estivesse falando para uma platéia desconhecida, tentando disfarçar seu nervosismo.
Me desculpe mas não era você quem estava ali naquele momento, dentro de uma casa que é sua, como se fosse uma pessoa desconhecida, uma estranha dentro do próprio ninho.
Me desculpe mas não era você. Quem estava ali, parada, com olhar nervoso, palavras duras, mãos nos bolsos, estranha e desconhecida era na verdade um amontoado de outras pessoas. Era um pouco de cada um desconhecido, era um bocado de cada um que não nos pertence e que não sabe de nossa vida. Quem estava ali trinta dias depois era exatamente quem não deveria estar por que não nos pertence, não pertence à nossa vida e a nossa história.
Quem estava ali, em pé, trinta dias depois era uma pessoa totalmente desconhecida, estranha, nos gestos, nas atitudes. Não sei como explicar mas não era quem conhecemos, e quem aprendemos a amar, os defeitos e as qualidades.
Alí estava alguém com a sua fisionomia porém com outros defeitos e qualidades, gestos e atitudes, tudo misturado, tudo confuso demais. Alí, em pé, no canto da sala estava uma pessoa que precisa ser amada, que precisa de ser orientada em caminhos mais simples, menos difíceis. Alí, em pé, no canto da sala, estava uma pessoa que precisa pensar melhor, sozinha, sem influências, sem interferências. Uma pessoa que precisa entender a força de suas atitudes e a avalanche de suas consequências.
Alí, em pé, no canto da sala estava uma pessoa que tem um poder imenso nas mãos, um poder de mudar a vida de quatro pessoas no mínimo, com suas atitudes. Alí, em pé, no canto da sala estava uma pessoa que não sabe que a média de amor de quatro pessoas pode mesmo ser suficiente para cada um, mesmo que alguém ache que não tem nenhum amor mais.
Alí, em pé, no canto da sala, estava uma pessoa que precisava ter o poder de ver o futuro, nem que fosse por um segundo, um instante apenas para perceber que toda a história que escreve já foi escrita antes e que agora está só sendo interpretada novamente, com outros atores, com outras vidas.
Quem estava ali em pé, no canto da sala, olhar no chão sujo, de uma casa suja, com muito menos alegrias do que outrora tivera, precisava entender que o seu "tentar novamente", que o seu "dar mais uma chance" não foi trabalhado por sí mesma para que a tentativa desse certo, para que a chance a mais fosse a última.
Quem estava alí, em pé, no canto da sala, precisava entender que para que desse certo, era necessário seu esforço também, a sua renúncia a certas coisas, que precisava andar na mesma direção, no mesmo caminho, que não há tentativa para um casal se ambos não fizerem algo.
Quem estava alí em pé, com olhar duro, palavras duras, gestos ásperos, precisava ver que as prioridades teriam que ser outras e que o objetivo principal não foi escolhido corretamente. Que no equilíbrio das bolas da vida, familia, trabalho, saúde, amigos e espírito, algumas caíram e se quebraram, que precisavam de conserto, que precisavam de cuidado.
A bola que não se quebra, que bate e volta do chão, esta não caiu, esta permaneceu, prevalesceu sobre as demais.
Aquela pessoa que estava alí, parada, depois de tantos dias fora de seu território, fora de sua casa, precisava entender que o contentamento é o que faz a alegria da vida, que quanto mais se quer, menos feliz se consegue ser.
Aquela pessoa precisava entender e reconhecer quem são as pessoas que realmente importam e por elas lutar, por elas se sacrificar pois só elas estiveram alí o tempo todo, só elas estariam ao seu lado o tempo que quisesse e merecesse.
Aquela pessoa precisava saber que a planta precisa de adubo, precisa de água, de luz e cuidados para germinar, florescer e dar bons frutos. Aquela pessoa que estava alí precisava entender que a vida é feita de exemplos e que se aprende com eles, certos ou errados. Aquela pessoa precisava entender que os anos passam e que as memórias ficam, criam calos, machucam por toda a eternidade.
Aquela pessoa que estava alí, parada, com olhar duro, palavras ásperas, atitudes rudes, mãos nos bolsos, olhar no chão sujo, da casa suja que outrora fora mais limpa e feliz precisava entender a falta que faz a todos, precisava lembrar que já passara pela mesma situação algumas vezes no passado e a vida lhe mostrou que estava errada.
Aquela pessoa precisava entender que estava errada de novo. E de novo, faz sofrer a sí a aos demais.
Aquela pessoa precisava saber escolher melhor com quem anda, com quem está equiparando sua vida, com os exemplos que segue, evitando-os.
Aquela pessoa que estava alí e que foi embora não sei por mais quantos dias ou se eternamente, precisava trazer de volta quem é realmente daqui, quem realmente precisaria estar em pé, no canto da sala, com olhar fixo nos nossos, com palavras carinhosas, com olhar gentil, com as mão soltas, acariciando nossos cabelos, nossos corpos, enchendo nossos corações de felicidades, certezas e prosperidades. Aquela pessoa que se foi levou de nós um pouco do futuro, deixou uma história que já estava escrita e que não gostaria de interpretar nenhum papel.
Aquela pessoa, a de olhar rude, palavras ásperas, mãos nos bolsos, precisava perder o seu olhar no horizonte, por horas e horas, de solidão, tentando enxergar no passado uma resposta para seu (nosso) futuro.
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