domingo, 16 de setembro de 2012

Gavetas

Lugarzinho mais misterioso do mundo é a nossa gaveta. As coisas lá dentro parecem se multiplicar inúmeras e inúmeras vezes além de nosso controle. E é lá dentro que encontramos e perdemos as coisas mais úteis e mais inúteis que existem. E elas são encontradas e perdidas inversamente proporcional à necessidade que temos delas.
Quando queremos muito algo e sabemos que guardamos na gaveta, este algo não estará lá.
Mas ele estará lá, como se nunca houvera saído quando deixar de ser útil.
E assim são nossas memórias, guardadas nas gavetas do cérebro. Estão todas lá, se acumulando, se achando e se perdendo.
Milhares e milhares de gavetinhas iguais, sem qualquer tipo de identificação, sem um catálogo de classificação, sem etiquetas.
Talvez seja por isso que muitas vezes temos preguiça de procurar uma boa lembrança e acabamos sempre abrindo a mesma gaveta de sempre.
Relembrar é preciso. Independente da lembrança, relembrar é o que faz a mente estar ativa, estar funcionando no raciocínio lógico. Relembrar é o que nos faz viver.
Porém, são tantas e tantas lembranças perdidas que sempre vamos na mesma gaveta, sempre vamos buscar a lembrança mais fácil pois sabemos onde ela está. Não nos damos o trabalho de buscar mais fundo, de trocar as lembranças de vez em quando. Costumamos dizer que ainda está fresco na memória. Mas se está fresco é por que nós estamos sempre cuidando da mesma lembrança.
Passamos então a sermos pessoas de poucas lembranças. Poucas lembranças boas, poucas lembranças ruins. Nos pegamos a estas lembranças como se fossem únicas e deixamos as outras gavetas fechadas.
Justificamos nossos erros, exaltamos nossos acertos justamente baseados nestas poucas gavetas abertas. Mostramos para as pessoas estas gavetas, contamos casos, choramos nossas mágoas mas as gavetas são sempre as mesmas. Não nos damos por completo por que não nos temos por completo.
Damos para as pessoas aquilo que achamos que somos. Com milhares de gavetas fechadas. E gavetas importantes onde estão guardadas as decisões, onde estão guardados os motivos, onde estão guardadas as consequências.
Convencionamos que lembranças são imagens, sons, e odores. Quando avivamos algo vem sempre o momento, vem sempre a cena em nossa cabeça. Os fatores que construíram a cena não são relembrados, os caminhos percorridos até chegar àquela cena que estamos lembrando estão em outra gaveta fechada. Assim as sinapses nunca são completadas conforme deveriam. Conseguimos interromper nossas lembranças e fechá-las noutra gaveta quando estas começam e nos fazer mal.
Quando nos sentimos tristes e principalmente culpados quando uma lembrança vem, logo a jogamos de encontro com uma gaveta aberta e a guardamos para, o que erradamente achamos, sempre!!!
Façamos então um exercício simples e divertido. Peguemos um bloco de etiquetas auto-adesivas, uma caneta, muita paciência, toda a coragem do mundo e passemos a abrir todas as gavetas possíveis de nossas lembranças. 
Olhemos para dentro de cada uma delas por um átimo de segundo pois não precisa durar mais do que isso. Olhemos instantaneamente para o conteúdo de cada gaveta e escrevamos na etiqueta a sua categoria.
Esta é a única forma de completar as sinapses interrompidas em nossas vidas, esta é a única forma que temos de nos conhecer totalmente, esta é a única forma de entender por que agimos corretamente e incorretamente com as pessoas, esta é a única forma que temos de identificarmos o certo e o errado.
O simples exercício de abrir a gaveta e catalogar a lembrança alí dentro já nos torna pessoas mais justas pois fazendo isso, acharemos dentro de nosso passado vários culpados que não queríamos ver e vários inocentes pagando pelos erros que não cometeram.
Este simples exercício nos faz compreender e aceitar as consequências dos nossos atos, nos faz rever vários destes atos e até corrigí-los no presente.
O exercício de mexer no passado, abrir a gaveta de nossas lembranças nos faz ter a certeza de que um futuro melhor é possível. Um futuro cada vez melhor.

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